quarta-feira, 28 de outubro de 2015

América prepara parceria para reconstrução da sede na Tijuca e criação de shopping

RIO - Distante da elite do futebol carioca desde 2011, o América inicia neste sábado (14), mais uma vez, a luta para voltar ao convívio dos grandes, quando estreia no Campeonato Estadual da Segunda Divisão contra o Audax, às 15h30m, no Estádio Moça Bonita, em Bangu.
Mas, a expectativa da torcida rubra para este ano vai muito além das quatro linhas. Até julho, será selado o destino da histórica sede do clube, hoje desativada, na Rua Campos Sales, na Tijuca.
ANÁLISE: Maus negócios do América assustam
Por meio de uma pareceria com a iniciativa privada, a diretoria americana pretende derrubar a estrutura atual e erguer uma moderna sede no lugar. Quem fizer acordo com o América — 16 empresas estão interessadas — terá o direito de construir um empreendimento imobiliário em parte do terreno, provavelmente um shopping, segundo a presidência, e explorá-lo em concessão por determinado tempo.
— O América não está vendendo nada. Iremos aumentar o nosso patrimônio. Tudo que for construído será do clube. Vamos continuar como proprietários do terreno — frisa o presidente rubro, Léo Almada.
  • O antigo salão social do América, hoje sem usoFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

  • Espreguiçadeiras empilhadas e bar fechadoFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

  • Piscina vazia e paredes com marcas de infiltrações na área de lazer Foto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

  • Mato cresce entre o piso da área de lazerFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

— Quando assumi o mandato, em janeiro de 2014, me deparei com uma catástrofe. Os laudos do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil decretavam que a sede estava praticamente sem condições de uso. Havia riscos de acidentes, os banheiros estavam infectos, e as piscinas, com azulejos rachados. Cheguei à conclusão, junto com o restante da diretoria, de que não tínhamos mais condições de manter a sede da maneira como estava, e nem poderíamos arcar com os prejuízos de uma reforma, pois não temos recursos. Por isso decidimos que a única forma de salvar o América era construir uma sede nova, através de um acordo com alguma empresa — conta o cartola americano.
Assim, na metade do ano passado, foi criado um grupo de trabalho composto por conselheiros representantes de todos os poderes do clube.
— Estamos estudando todas as propostas e vamos escolher a que for melhor para o América. Não vamos determinar o que a empresa irá construir no nosso terreno. Pode ser um empreendimento comercial ou não — explica Sidney Santana, 1º vice-presidente do clube e presidente do grupo de trabalho.
Porém, para Almada, a preferência é por um centro comercial. Ele destaca que o negócio pode livrar o América das dívidas.
— Provavelmente será um shopping. Durante o período de construção, que deve durar por volta de 30 meses, o América irá receber uma mensalidade para se manter. Nossa ideia é conceder esse espaço para exploração por cerca de 40 anos, com o clube recebendo um percentual de lucro da empresa exploradora até o fim do contrato. Quando tivermos dinheiro em mãos, poderemos negociar a nossa dívida. Estamos fazendo uma auditoria e ela está entre R$ 50 e R$ 60 milhões — completa o dirigente.
Com a sede fechada desde o último mês de julho, os sócios estão utilizando as dependência do Club Municipal, na Rua Haddock Lobo, em convênio que deve durar até a inauguração da nova sede.
Enquanto isso, as lembranças seguem na Rua Campos Sales, à espera de definições e dias melhores.
Uma das torcedoras mais famosas do América, Ruth Rodrigues, a Tia Ruth, de 90 anos, visitou a sala de troféus a convite do GLOBO-Tijuca, ao lado do também veterano de arquibancada Jorge Pessanha, o Pessanha, de 83 anos.
— Minha mãe me teve com 16 anos. E ela era apaixonada pelo América. Por isso, meu amor pelo clube vem do cordão umbilical. Já saí da barriga com a bandeira na mão — brinca Tia Ruth.
Torcedora da “paz e do amor”, como se autodefine (inclusive distribui rosas aos árbitros, torcedores e jogadores adversários, antes dos jogos), ela aprova a negociação da diretoria para a reconstrução do patrimônio.
— Será a salvação do América. Porque não iremos perder nada na negociação, só vamos ganhar. E tenho certeza de que voltaremos para a Primeira Divisão e brigaremos pelo título. Quero morrer podendo ajudar o América — opina Tia Ruth.
— Se não fosse o presidente, o América já teria fechado. O clube precisa dessa renda. E com o empreendimento imobiliário iremos valorizar ainda mais o título de sócio — completa Pessanha.
Também torcedor fanático, da velha guarda do América, o promotor de eventos Carlos Silva Menezes da Costa, o Carlinhos, é outro que a aprova a parceria:
— Minhas expecatativas são as melhores possíveis,nāo tinha como manter uma sede que, além de nāo trazar benefícios e lazer de qualidade para o clube, estava perdendo seu valor patrimonial, pela própria falta de manutencāo de algumas administrações aneteriores. O que vier, sem dúvidas, será o melhorpara nós, asociados, e para o próprio clube em si, levando inclusive recursos para o futebol, razao principal da instituição.
Enquanto a decisão sobre o futuro da sede não sai, as atenções se voltam para o time em campo. Os nomes mais conhecidos do elenco são os dos atacantes Jean (ex-Flamengo e Vasco) e Somália (ex-Fluminense). O último título Carioca do América foi em 1960.
CLUBE VENDEU ANTIGO ESTÁDIO PARA SHOPPING
Em 1993, o América participou de outra negociação que mudou a sua história. O clube vendeu o Estádio Wolney Braune (comprado do Andarahy Athletico Club, em 1961 e inaugurado seis anos depois), localizado na esquina das ruas Teodoro da Silva e Barão de São Francisco, justamente para a construção de um shopping - o Iguatemi, na época, e hoje Boulevard Rio Shopping.
Em troca, a construtora responsável pelo empreendimento ergueu uma nova praça esportiva para o clube em Mesquita, na Baixada Fluminense.
— A torcida ficou muito triste na época. Mas o presidente Almada não quer que essa história se repita — comenta Pessanha.
O estádio, com capacidade para cinco mil torcedores, também era palco dos ensaios da Unidos de Vila Isabel.


Análise: Maus negócios do América assustam

Jornalista Stéfano Salles relembra iniciativas passadas que levaram o clube para Mesquita


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Trocar o Andaraí por Mesquita, na esperança de preservar sua base de torcedores e reforçá-la com a presença em uma área carente. Esse foi o erro cometido pelo América no início da década de 90. Um erro que sequer era inédito. Anos antes, terminara em retumbante fracasso a ida do Botafogo para Marechal Hermes, deixando a sede de General Severiano abandonada à própria sorte.
Na ocasião, o América deveria optar entre a mudança para Nova Iguaçu ou para a Barra. A escolha foi a Baixada Fluminense. Àquela altura, Mesquita sequer havia sido elevada à categoria de município. Duas décadas depois, estão mais do que claros em qual direção o Rio cresceu e o tamanho do equívoco, que já não se pode mais consertar.
Ao sair do Andaraí, o América viu surgir em seu terreno o Shopping Iguatemi, há pouco rebatizado de Boulevard Rio. O clube era dono de um percentual das ações do empreendimento. No entanto, as sucessivas crises fizeram com que ele fosse vendendo parcelas de sua participação, até que não restasse mais nada. Provavelmente, o América é o único acionista que se livrou de um shopping sem que ele fosse à falência e, mesmo assim, permaneceu pobre.
Os dirigentes da época lembram que o América estava encastelado no Estádio Wolney Braune: uma verdade que não abona as más escolhas. Situado no sopé de uma montanha, a antiga Casa do Diabo comportava pouco mais de quatro mil pessoas e não tinha mais espaço para crescer. A dúvida que paira sobre torcedores e associados com relação ao projeto da nova sede tem origem nesse histórico de maus negócios. A sede, que já foi considerada a maior da América Latina, hoje é símbolo de um modelo esgotado de área de lazer, facilmente encontrada no interior dos cada vez mais bem infraestruturados condomínios. Nos últimos anos, a sede era deficitária, tinha custosa manutenção e era responsável por débitos que não paravam de crescer, mesmo representando apenas uma fração do terreno ocupado originalmente pelo antigo estádio da Rua Campos Sales, que englobava também a área onde estão hoje os três blocos do condomínio Quartier Montreal.
O presidente Léo Almada sonha em erguer no local um shopping center que produza uma fonte permanente de receita e quite as dívidas do clube, estimadas em R$ 80 milhões. A ideia é reservar o espaço de um dos andares do novo estabelecimento para as instalações sociais e esportivas. Tudo isto em sistema de comodato, sem que o América perca um milímetro de patrimônio. Os dirigentes mostram arrojo nas negociações e parecem mesmo dispostos a valorizar a marca do clube. Afinal, disto depende a sua sobrevivência, mas poucos anseios poderiam parecer mais desconectados da realidade do efervescente mercado imobiliário carioca.





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