Fonte: URBE CARIOCA
Todos que acompanham os temas “urbano-cariocas” – sabem que a Câmara de Vereadores aprovou, na semana passada, o Projeto de Lei Complementar nº 169/2016, escrito especialmente para o terreno situado na Tijuca onde funcionava a sede do América Football Club, hoje fechada, o prédio abandonado.
Todos que acompanham os temas “urbano-cariocas” – sabem que a Câmara de Vereadores aprovou, na semana passada, o Projeto de Lei Complementar nº 169/2016, escrito especialmente para o terreno situado na Tijuca onde funcionava a sede do América Football Club, hoje fechada, o prédio abandonado.
Enviado
àquela Casa de Leis pelo prefeito anterior, foi aprovado por
unanimidade dos presentes e sancionado, hoje, pelo atual Chefe do
Executivo.
Ao
comparar o texto com o desenho que acompanha reportagem do jornal O
Globo, verifica-se com facilidade que a estranha lei nada mais é do que
descrever a futura construção nos mínimos detalhes, desde a tipologia
até o desenho dos volumes previstos. Ou seja, é uma lei urbanística
feita para um só terreno, um só proprietário e seu desejo de projeto: um
shopping-center, uma lâmina (provavelmente de escritórios) que será
coroada pela nova sede do clube, um apêndice com 12,00m de altura acima
da lâmina, perfazendo o edifício híbrido o total de 47,00m em terreno
que tem cerca de 64,00m (frente pela Rua Campos Salles) x 160,00m de
profundidade (Área 1 do croqui anexo ao PLC). Não é pouco.
Art. 4º (…)
VIII
– na maior dimensão do lote, o volume da lâmina deverá ser segmentado
em no mínimo três partes, com no máximo sessenta metros de extensão,
através de interrupções com largura equivalente a pelo menos um quinto
da altura da edificação, excluídas as instalações do Clube;
A
lei sancionada não apenas desenha o volume pretendido, com palavras
(que não seria atingido se construídos ali, por exemplo, edifícios
residenciais); também muda o Zoneamento das ruas que circundam a área do
falido Clube América, para dar legalidade à construção do complexo
comercial, antes vedada pelas leis vigentes para aquele trecho da
Tijuca.
Art.
2º Aplicam-se ao imóvel objeto desta Lei Complementar, os usos e
parâmetros urbanísticos definidos para Centro de Bairro 3 – CB-3 do
Decreto nº 322, de 3 de março de 1976.
Segundo a Justificativa (mensagem nº 154 de 13/07/2016),
“O
terreno em questão está inserido em Zona Residencial 3, com testadas
para a Rua Campos Sales, Centro de Bairro 1, e para a Rua Gonçalves
Crespo, também Zona Residencial 3, com Zoneamento e demais parâmetros
urbanísticos definidos pelo Decreto nº 322, de 3 de março de 1976. Aos
fundos do lote, está o Morro Baronesa de Lages e o Hospital São Vicente
de Paulo”.
Isto
significa que o terreno comportaria atividades comerciais de pequeno
porte apenas no trecho com frente para a rua Campos Salles em construção
baixa com até 30,00 m de profundidade a partir daquela testada. No
restante, seriam permitidas algumas atividades, em prédios de uso
exclusivo, como sedes administrativas e ensino.
Do
mesmo modo que não há garantia de que estádios resolverão problemas
financeiros dessas instituições, é de se indagar se liberar a construção
de shoppings, à custa do solo e da paisagem urbanas, salva Clubes de
Futebol. E se salvar clubes de futebol à custa do solo urbano é devido.
Em 09/03/2017 a advogada e professora Sonia Rabello publicou em seu site A Sociedade em Busca do seu Direito:Clube do America coloca a Tijuca em cheque- Um jogo sem planejamento, , cuja leitura é recomendável, bem como o alerta dado em Câmara do Rio faz audiência Pública de ficção: o caso do America F.C (20/03), de fato uma formalidade/ficção que precedeu a aprovação do PLC, pelos vereadores, apenas três dias depois (23/03 – Câmara do Rio aprova transformação da sede do America em Shopping. Por outro lado, no artigo A Tijuca, o America , o America e a cidade (OG, Opinião, 25/03), o autor Marcelo Burgos, professor da PUC, repete
que: “…o único empreendimento que atende… é a construção de uma nova
sede articulada a um shopping center”.
(…)
Afogado em dívidas, com sua sede interditada pela Defesa Civil, e
ameaçado por pedidos de leilão, o clube agoniza. Mas consegue reunir sua
última reserva associativa. (…)
Em
2014, sua diretoria convocou a cidade para um ato público no auditório
da Associação Brasileira de Imprensa, apresentando a proposta de
reconstrução do clube. A partir de então, inicia-se a estruturação de um
modelo de negócio capaz de assegurar que, sem vender um milímetro de
seu patrimônio, o clube viabilizasse a construção de uma nova sede, e a
geração de receita para honrar suas dívidas e formar atletas. Conclui-se
que o único empreendimento que atende a esses objetivos é a construção
de uma nova sede articulada a um shopping center. Mas, para isso, faz-se
necessária a alteração do gabarito do terreno do clube. (…)
Também repetimos e indagamos, de novo, se shopping salva clube. Vejamos porquê.
Uma
breve pesquisa na internet aponta que o Botafogo e Flamengo têm
dívidas. O primeiro projeta prejuízo para 2017 (notícia em 17/02); o
segundo tem anunciado redução de dívidas, mas notícia de 26/01/2017
menciona que o clube precisa quitar dívida de R$400 milhões. Pedidos de
colaboração de torcedores em propagandas no horário nobre da televisão
são frequentes.
O
tema remete ao caso do Clube Botafogo. Há poucas décadas o local da
tradicional sede do clube recebeu um shopping-center e transferiu o
campo de General Severiano para a parte superior da nova construção. Ao
mesmo tempo, a construção de concreto, oval, no terreno do antigo
Mourisco, onde havia quadras e uma piscina coberta, foi demolida para
dar lugar a um edifício comercial alto. Ali, o gabarito máximo de altura
era de 10,00m (art. 11 da Lei nº 434/1983), em respeito ao entorno da
Enseada de Botafogo, que se podia avistar a partir da Avenida Pasteur. O
prédio espelhado a tomou, bem como eliminou a visada do Pão de Açúcar a
partir da Rua Voluntários da Pátria, maravilha do Rio que era visível
ao aproximar-se a Praia de Botafogo. Não mais.
Tudo,
dizia-se na época, para “salvar” o Clube Botafogo. Aparentemente a
salvação foi passageira. As construções autorizadas, no entanto, são
marcas perenes na paisagem carioca. É de se notar que as características
do shopping não guardam semelhança com as restrições indicadas na lei –
que envolveu, também, uma permuta de imóveis. Nesse caso ainda espanta
a Prefeitura ter autorizado a eliminação de duas faixas de rolamento de
vias públicas exclusivamente para criar acessos ao shopping das Rua
General Severiano e Venceslau Brás, o que deveria ter sido resolvido
dentro do próprio terreno: ao contrário, foi um claro privilégio ao uso
privado sobre o uso público.
A quem interessar, a modificação de usos e gabaritos de altura para o Clube Botafogo de Futebol e Regatas foi definida pela Llei Complementar nº 13 de 17/12/1991 (origem – PLC 26/91).
Para saber se o América será “salvo” há que esperar algumas décadas.
NOTA: Segundo a lei
83/2007 o uso dos clubes está consagrado e não poderia ser alterado.
Talvez por isso a emenda ao PLC obrigando que o clube seja mantido no
local, ainda que no cocoruto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário